terça-feira, 22 de setembro de 2009

O inferno astral do etanol, por Marcos S. Jank


O Estado de S.Paulo - Quarta-feira, 23 de Setembro de 2009

O inferno astral do etanol, por Marcos S. Jank

Poucos setores despertam tanta atenção da mídia nacional e internacional quanto a indústria brasileira de cana-de-açúcar. Só em 2008 recebemos 162 delegações de mais de 60 países, que queriam conhecer melhor nossa experiência com o etanol e a bioeletricidade. Atendemos cerca de 30 pedidos de jornalistas por dia, com mais de uma dezena de profissionais dedicados à tarefa de fornecer dados e esclarecer. Ainda assim, não faltam exemplos de exageros, falta de contexto, visões unilaterais e desinformação em matérias sobre o setor.

Parte disso decorre da imensa carga emocional que cerca esta indústria, a dificuldade de separar o velho e o novo, o peso da história dos velhos engenhos ante o novo paradigma das energias renováveis, que encontram na cana a sua aplicação mais completa. Basta ver que a indústria da cana já é a segunda fonte de energia do País (17% da matriz), atrás do petróleo (37%) e acima da hidreletricidade (13%).

Talvez devêssemos interagir de forma ainda mais proativa, ampliando a nossa estrutura de comunicação no País e no exterior. A verdade é que as mudanças do setor são profundas e vão muito além da comunicação. Na área ambiental, assinamos um protocolo com o governo paulista que antecipa voluntariamente o fim das queimas da cana até meados da próxima década. Criamos a Aliança Brasileira pelo Clima com 15 entidades e propusemos políticas proativas dentro do País e nas negociações globais do clima, além de um programa educacional sobre esse tema que atingirá mais de 2 milhões de alunos em oito Estados. Na área trabalhista, assinamos com trabalhadores e o governo federal o primeiro compromisso nacional de reconhecimento das melhores práticas laborais e lançamos o maior programa de requalificação de cortadores de cana do mundo, para minorar o impacto da mecanização.

Ainda assim, nota-se uma falta de entendimento ou verificação de informações, que pode ser sinal de inexperiência ou falta de exposição ao tema. A ausência de um melhor entrosamento entre órgãos formuladores de políticas públicas, acirrado por doses de sensacionalismo midiático, também contribui para que temas complexos sejam abordados de forma incompleta ou simplista. Questionamentos essenciais acabam não sendo feitos. Nas últimas duas semanas, vivemos uma sequência de momentos preocupantes, em que a vítima mais constante foi a qualidade da informação. Cronologicamente:

No dia 10 o Ministério do Meio Ambiente divulgou o Plano de Ação para Controle do Desmatamento no Cerrado, que afirma que a cana seria um dos principais vetores de desmatamento desse bioma. Ora, dados do Inpe mostram claramente que 98% da expansão da cana ocorre sem desmatamento algum, em áreas já antropizadas, agrícolas e pecuárias.

No dia 17 o governo lançou o Zoneamento Agroecológico da cana-de-açúcar, que eliminará qualquer avanço da cultura à custa de desmatamento. Sempre apoiamos essa drástica medida, por acreditarmos que o etanol não pode ter a sua imagem vinculada ao desmatamento. Porém o projeto traz restrições de crescimento da cana até mesmo em áreas agrícolas e pastoris estabelecidas, o que nos parece um exagero.

No dia 20, em matéria de capa, a revista Veja aponta o açúcar como o principal vilão da epidemia global de obesidade. O problema está no produto açúcar ou no consumo exagerado de carboidratos em geral e no sedentarismo da sociedade moderna? Nunca se venderam tantos produtos diet e light e ao mesmo tempo nunca se viram tantos obesos no mundo. De quem é a culpa?

O pior momento dessa série veio com a divulgação, pelo Ministério do Meio Ambiente, de uma Nota Verde que pretendeu classificar veículos segundo a emissão de alguns poluentes. No mundo inteiro se busca hoje o chamado "combustível de baixo carbono", que reduz as emissões de gases de efeito estufa. O Brasil conta com esse produto há 34 anos, seja na mistura obrigatória de 25% de etanol na gasolina, seja na existência de uma frota flex que já responde por 90% dos veículos novos e encontra ampla oferta de etanol puro e barato para abastecimento em todo o País. Mas quando finalmente sai o primeiro ranking de carros supostamente verdes do País, o índice surpreendentemente ignora as emissões de carbono. Há vários exemplos de "notas verdes" internacionais que combinam três elementos fundamentais: poluição no escapamento, emissões de gases de efeito estufa e consumo. A combinação desses elementos certamente indicará a supremacia dos combustíveis renováveis sobre os fósseis. Se o ranking da Nota Verde não for revisado, estaremos comprometendo não só as exportações da tecnologia flex, mas a própria história e a credibilidade dos nossos programas de biocombustíveis.

Os mais pessimistas querem crer que parte dos fatos acima indicaria um movimento organizado contra o sucesso do etanol. Prefiro crer apenas numa série de divulgações precipitadas de dados ambientais, combinada com a falta de entendimento do que o setor é hoje. Para fechar essa série, das piores que já experimentamos, a manchete do Estado de domingo afirma que estaríamos procurando "proteção" governamental para enfrentar a concorrência do pré-sal. Isso até poderá virar verdade quando essas novas jazidas se tornarem realidade, ainda que esperemos que o País não faça a estupidez de jogar fora a sua experiência única de energia renovável, admirada em todo o mundo. Mas, sinceramente, os fatos mostram que nos devemos preocupar mais com os próximos meses do que com o final da próxima década. Aprofundar ainda mais os esforços de sustentabilidade da cadeia sucroenergética, continuar apoiando políticas públicas coerentes e corrigir a imensa desinformação ainda vigente parecem ser ações bem mais importantes e imediatas do que os riscos do pré-sal.

Marcos Sawaya Jank é presidente da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica)

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