quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Nacionalização da GM, o carro elétrico e o futuro do Brasil

Quarta-feira, 12 de Agosto de 2009
Valor Econômico


Nacionalização da GM, o carro elétrico e o futuro do Brasil
Gustavo A. G. dos Santos e Rodrigo Medeiros


Carro elétrico terá impacto profundo nas exportações brasileiras, muito dependentes de uma em breve anacrônica cadeia metal-mecânica

A crise financeira levou a GM à concordata, desmembramento e nacionalização. A estatização sempre foi tabu nos EUA. Para entendê-la, é preciso compreender a importância do setor.

Os setores metal-mecânico, químico e eletroeletrônico respondem por algo entre 55% e 75% das exportações dos países desenvolvidos e tigres asiáticos e mais de dois terços das patentes industriais. Chamamos esses setores de indústrias centrais em artigo recente publicado na revista "Custo Brasil", em março.

As indústrias centrais constituem a base das inovações e da competitividade das nações desenvolvidas, cujos gastos em P&D respondem por 70% dos globais. Quem deseja se tornar desenvolvido, precisa estar presente competitivamente nessas indústrias.

A indústria automobilística foi a vanguarda da indústria e da difusão do "way of life" americano. Mas não é coisa do passado. Ela é hoje mais importante que há 40 anos. Entre as indústrias centrais, a metal-mecânica se destaca. E nela, a indústria automotiva é o carro-chefe, e continua sendo considerada um passaporte para o Primeiro Mundo. JK foi um estadista, entre outras razões, por ter percebido isso. Mas ao contrário de todas as outras grandes nações, o Brasil não buscou ter sua própria marca.

Após a Segunda Guerra, o Japão era um país destruído. No início da década de 50, grupos de engenheiros e técnicos da Toyota viajaram para os EUA com o intuito de aprender a produzir automóveis competitivos. O jogo já era global. Ao visitarem as instalações da Ford perceberam que não teriam condições de vencer adotando o fordismo. Assim, com forte apoio do governo, criaram seu próprio jeito de produzir. Uma geração depois, a administração Reagan imporia cotas de importações sobre o Sistema Toyota de Produção. Combinando automação de baixo custo com trabalhador multifuncional, a Toyota revolucionou a indústria mundial.

No início da década de 60, o Produto Nacional Bruto (PNB) per capita sul-coreano era menor do que o do Sudão e não ultrapassava 33% do mexicano. A rápida industrialização da Coreia do Sul derivou em grande parte da imitação (engenharia reversa). Como no Japão, as empresas coreanas dependeram das diretrizes governamentais. Seu governo também colocou a indústria automobilística como prioridade. Hyundai e Kia são referências hoje na indústria automobilística mundial. A Kia atualmente se faz presente em mais de 170 países. Essa empresa foi a primeira fabricante de veículos sul-coreana e a sua primeira exportadora de automóveis. Em 1986, a Hyundai iniciou a exportação para os EUA. Somente a partir de 1991 apresentou o primeiro motor de fabricação própria. Com uma imagem inicialmente associada à má qualidade, a montadora decidiu investir em qualidade e design. Os esforços da Hyundai foram premiados com um dos mais prestigiados prêmios de design e qualidade da indústria.

A indiana Tata Motors possui, desde 2005, uma aliança estratégica com a Fiat. Através de subsidiárias e companhias associadas, a Tata opera na Grã-Bretanha, na Coreia do Sul, na Tailândia e na Espanha. Destaca-se também uma joint venture com a empresa brasileira Marcopolo, constituída a partir de 2006.

As empresas chinesas começaram a fazer carros nos anos 90 e até recentemente não exportavam. Hoje, com poucos anos de vida, já estão na vanguarda em muitas tecnologias automotivas. A China também aposta pesadamente na indústria automobilística como o passo fundamental rumo ao desenvolvimento, sendo estatais a maioria das suas empresas.

A importância da indústria automobilística é tão grande que o Japão passou a ser considerado um país desenvolvido na época em que suas exportações de automóveis passaram a inundar os EUA. Já os EUA passaram a ser considerados em decadência, nos anos 80, quando ficou clara sua falta de competitividade neste setor.

A GM nunca se recuperou plenamente da invasão japonesa. Nem mesmo com proteção do Estado e copiando o que podia das técnicas toyotistas. No mês passado, a GM foi nacionalizada por inviabilidade de seu modelo de negócio e falta de fôlego para mudar. Mas as técnicas japonesas são como um estilingue perto do poder de destruição dos baixos custos de manufatura chineses e indianos e seu carro de US$ 2 mil.

Os custos chineses e indianos são ainda uma ameaça pequena perto do carro elétrico. Quem já abriu o capô de um carro elétrico não ficará surpreendido com essa afirmativa. São poucas peças. Não requer as caras peças de transmissão mecânica, injeção, refrigeração e lubrificação. O motor elétrico custa uma fração de um motor a combustão. Resolvido o problema da bateria - em breve -, o carro elétrico custará menos que os carros convencionais, terá custo de abastecimento muito menor, desempenho superior em torque e sem barulho. Deve ainda contar com incentivos governamentais por razões ambientais. Para complicar as coisas, os chineses estão na vanguarda, com o primeiro carro elétrico de baixo custo em operação comercial.

A indústria automobilística tal como vemos hoje estará enterrada em 15 anos. Muitas empresas sucumbirão em razão da depreciação de seus ativos. Os governos mais uma vez salvarão suas marcas nacionais, para salvar o próprio futuro. Enquanto se adaptam ao carro elétrico e aos asiáticos, serão estatais, paraestatais ou viverão às custas dos Estados.

A nova indústria automobilística ainda está para ser construída. Esta é a hora de entrar. Algumas empresas de energia brasileiras já estão fazendo testes superficiais com carros elétricos. Mas é pouco. O carro elétrico significará impactos profundos nas exportações brasileiras, muito dependentes de uma em breve anacrônica cadeia metal-mecânica. O governo precisa urgentemente de um programa para sua fabricação, o que pode ser a chance de se ter uma marca brasileira. Isso é o futuro. O ocaso da GM é uma oportunidade única em um século. A solução alemã para a filial europeia pode servir de inspiração

Gustavo A. G. dos Santo é doutor em Economia pelo IE/UFRJ e funcionário do BNDES, gustavoag.santos@gmail.com .

Rodrigo Medeiros é professor adjunto da UFES, medrodrigo@gmail.com.

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