Por PEDRO VALLS FEU ROSA
Nos últimos anos temos visto o entusiasmo da raça humana com os veículos elétricos, que são silenciosos e não poluem. A alegria é justificável: a poluição do ar mata quase 3,5 milhões de pessoas a cada ano. Podemos dizer, com absoluta certeza, que o carro elétrico é uma das novidades mais cobiçadas dos últimos tempos por todos que desejam uma melhor qualidade de vida.
Porém, segundo a Bíblia, não há novidade alguma! Confira-se: “aquilo que foi voltará a ser, o que está feito voltará a fazer-se, não há nada de novo debaixo do sol”. Pois é. E não é que este texto bíblico está certo? Por incrível que pareça, os carros elétricos foram como os dinossauros: habitaram este planeta durante muito tempo até que desapareceram misteriosamente.
É esta incrível história que o jornalista norte-americano Edwin Black relata em seu livro Combustão Interna, lançado já há algum tempo. Esta obra demonstra como poderosas empresas do ramo de transportes e petróleo se uniram para varrer do planeta o uso do carro elétrico, abrindo caminho para os poluentes motores a gasolina e óleo diesel.
Segundo consta, o carro elétrico foi inventado no já distante ano de 1830. Por volta do ano 1900, inacreditáveis 90% dos táxis que rodavam na cidade de Nova York eram elétricos, como também eram elétricos os bondes utilizados no transporte público. Naquela época proliferavam não os postos de gasolina, mas futuristas estações de recarga.
Eis que algumas grandes empresas perceberam que veículos a gasolina poderiam ser vendidos por preços mais elevados. Segundo o autor declarou, em entrevista à revista Superinteressante, “o plano era vender os carros a combustão a um valor alto, só para os ricos. Até que um fabricante de Detroit resolveu seguir seu próprio caminho. Era Henry Ford, que planejava produzir carros a combustão baratos. Ford teve de enfrentar anos de batalhas judiciais contra os cartéis para conquistar o direito de produzir seus automóveis. Mas, quando finalmente ganhou a guerra nos tribunais, percebeu que os EUA estavam se tornando um lugar sujo com a fuligem gerada pelos motores a gasolina”.
O autor, destacando que nos EUA, já em 1912, algumas revistas e jornais advertiam para os problemas ambientais dos carros a gasolina, registra que houve então nova reviravolta: Ford se uniu ao cientista Thomas Edison em um projeto para produção de um carro elétrico barato e acessível a todos.
Perguntado sobre o que causou o fracasso deste projeto, o autor deu uma chocante resposta: “Uma aparente sabotagem nas baterias. Elas saíam em boa condição da fábrica de Edison, em Nova Jersey, mas não funcionavam quando chegavam à Ford, em Detroit. Em 1914, quando tentava fazer uma bateria à prova de manipulações, seus laboratórios foram destruídos por um misterioso incêndio”.
Sobre o transporte público o autor revela que, em 1925, as vias elétricas transportavam 15 milhões de passageiros por ano nos EUA. Até que, em 1935, um conglomerado de poderosas empresas criou uma tal NCL, ou National City Lines. E eis que esta NCL começou imediatamente a comprar as empresas de transporte que utilizavam veículos elétricos. Após comprá-las, os ônibus elétricos eram queimados, a fim de que não pudessem mais ser utilizados, e substituídos por modelos a gasolina. Segundo denuncia o autor, isto aconteceu em 40 cidades norte-americanas, até que houve uma acusação de conspiração, reconhecida pelo Poder Judiciário daquele país – mas aí já era tarde demais!
O resto da história nós conhecemos: milhões de seres humanos mortos pela poluição do ar e guerras intermináveis pelo petróleo, que ainda semeiam tanta dor e sofrimento pelo mundo afora. Em verdade, a série de desgraças tem sido tão grande que a humanidade já começa a ensaiar um retorno de mais de cem anos no tempo, rumo ao carro elétrico.
Diante do que estes empresários fizeram à raça humana, fico a pensar na acusação de Maquiavel: “a ambição do homem é tão grande que, para satisfazer a uma vontade presente, ele não pensa no mal que dentro em breve daí pode resultar”. Talvez, em verdade, devessem ser dedicadas a eles as palavras de Pascal: de que vale ao homem conquistar o mundo, se perde a alma?
PEDRO VALLS FEU ROSA é Desembargador do Poder Judiciário Brasileiro, Relator da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Espírito Santo e Presidente do Tribunal Eleitoral do Espírito Santo.
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