Monitor Mercantil,11/02/2011
Corte de verba em P&D amplia abismo entre país e resto do mundo
Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apesar da crise, os governos mantiveram ou ampliaram o apoio às atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e inovação. Os gastos dos governos em P&D (incluindo redução de impostos) representaram, em média, cerca de 3% do PIB na área da OCDE, alcançando 5% do PIB nos Estados Unidos e na Coréia do Sul. Antes, o percentual médio era de 2% do PIB.
Contrariando essa tendência, o Brasil acaba de cortar recursos de, no mínimo, R$ 1,3 bilhão do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT). Isso quando o próprio governo admite que a Política de Desenvolvimento da Produção (PDP) não teve os resultados projetados para 2010. A intenção era ampliar o investimento fixo de 17,6% do PIB, em 2007, para 21% do PIB; elevar o investimento privado em P&D de 0,49% do PIB, em 2005, para 0,65%, e puxar o número de micros e pequenas empresas exportadoras de 11.792, em 2006, para 12.971. Nada disso ocorreu.
Tiro no pé
Para o vice-presidente da Associação Brasileira de Química Fina (Abifina), Nelson Brasil, a atuação do governo em ciência, tecnologia e inovação (CT&I) tem sido "um desastre" sem objetividade e articulação de políticas publicas: "Oito anos de governo Lula foram perdidos apenas em formulações e diagnósticos. As únicas iniciativas concretas vieram do BNDES, que criou linhas específicas de financiamento."
"O Brasil sabe como se desenvolver e tem condições melhores que a China ou a Índia, mas só dá tiro no pé. Desde os anos 90, quando se fez a liberalização de Collor, mantida por FH e Lula, o mercado brasileiro se tornou um espaço caótico, do qual todos se servem, menos o próprio Brasil", acrescentou.
Além da abertura do mercado interno, o vice-presidente da Abifina reclama da falta de isonomia no tratamento à empresa nacional e à estrangeira: "Os órgãos regulatórios exigem tudo da produção interna e nada do importado. Não há isonomia regulatória. É lamentável a situação do país", diz, citando a área de Saúde, que, segundo Brasil, tem ótimo marco regulatório para parcerias público-privadas, mas de difícil implantação.
"A Advocacia Geral da União e o Tribunal de Contas só vêem corrupção nessas parcerias. Nesse início de governo, estou muito preocupado. Tinha esperança de que surgissem imediatamente medidas efetivas, sobretudo explorando o poder de compra do Estado. O que estamos vendo são cortes de investimentos em áreas estratégicas", diz, lembrando que, na Saúde, as encomendas do setor público representam 25% do mercado, sugerindo que os produtos importados, sobretudo da China, sejam submetidos a uma rastreabilidade quanto a subsídios, condições de trabalho e outras.
Países desenvolvidos
Enquanto o governo sufoca o Ministério de Ciência e Tecnologia, na Finlândia, a agência nacional destinada à inovação financia as encomendas públicas para reduzir os riscos associados ao desenvolvimento de produtos e serviços inovadores.
Na primeira fase, planejamento da encomenda, os fundos governamentais cobrem entre 25% e 75% das despesas do projeto. Na segunda fase, contratos ou execução, a agência fornece apoio financeiro para o adquirente e cobre as despesas com P&D e inovação dos fornecedores.
Segundo a OCDE, o governo dos EUA aumentou seus gastos em P&D nas áreas relacionadas às alterações climáticas e de energia em US$ 26,1 bilhões e US$ 6,36 bilhões, respectivamente. Também elevou em US$ 10 bilhões a verba para pesquisa biomédica e concedeu adicional de US$ 2,3 bilhões para as pesquisas financiadas pela Fundação da Ciência Nacional (NSF, na sigla em inglês).
Também com intuito de estimular as atividades inovadoras das empresas chinesas, o governo usa a encomenda pública de produtos de marca registrada no país. Em 2008, elas foram 28,5% superiores às de 2007, equivalendo a 2% do PIB e 9,6% das despesas orçamentárias totais. Em 2009, somaram 741,3 bilhões de iuans, mais 23,7% frente ao ano anterior.
O economista José Carlos de Assis, presidente do Instituo Desemprego Zero, pondera que a crise mundial provocou uma mudança estrutural no sistema econômico mundial: os países desenvolvidos passaram a ser exportadores líquidos. Esse novo cenário, segundo Assis, gera para o Brasil problemas bem mais complexos que a questão cambial.
"Essa virada se deu pela redução das importações, devido à estagnação e à estratégia exportadora, também motivada pela estagnação, sobretudo após os cortes de gasto público", diz, alertando para o perigo à indústria brasileira.
"Não temos como nos proteger da estratégia dos desenvolvidos nem da China, a não ser com uma articulação regional, pois sozinhos seremos retaliados na Organização Mundial do Comércio", diz, lembrando que somente os EUA pretendem dobrar as exportações em cinco anos: "Se nada for feito, o Brasil exportará apenas commodities em pouco tempo", adverte o economista, do Conselho Editorial do MM.
Recursos Humanos
Nem tanto para oferecer empregos, mas para ter melhores salários e inovar, é necessário dispor de recursos humanos qualificados. Mas isso permanece uma das grandes debilidades do Brasil, sobretudo em ciência e tecnologia. Em 2006, havia no país apenas 1,5 pesquisadores a cada mil trabalhadores ocupados. Em 2007, a participação de graduados em ciência e engenharia no total dos recém-formados subiu para 11%, metade da média da OCDE. Também é relativamente baixo o nível de graduados na população entre 25 e 64 anos (11%).
Para o presidente do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado do Rio de Janeiro (Crea-RJ), Agostinho Guerreiro, porém, a tendência do Brasil seria melhorar o emprego em todos os segmentos, puxados, segundo Guerreiro, por tecnologia tradicional, crédito habitacional e investimentos em infra-estrutura.
"O governo só libera recursos para a indústria naval, que está em franca recuperação, com índice de nacionalização superior a 60%. Muitos centros de pesquisa estão se modernizando, do setor elétrico ao Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes)", cita.
Guerreiro lembra, ainda, que as universidades estão recebendo mais recursos para pesquisa: "A produção de energia nuclear também merece destaque. E o setor de petróleo exige cada vez mais inovação na detecção e na exploração, cada vez mais sofisticada. O pré-sal é um desafio gigantesco. Creio que a desaceleração que a indústria está vivendo é sazonal", insiste, acrescentando, em relação ao câmbio valorizado, que há setores se esmerando em ampliar a capacidade de produzir a baixo custo: "Cada vez mais precisaremos de técnicos, tanto em quantidade, quanto em qualidade."
Abaixo da média
A OCDE, porém, registra que os indicadores brasileiros de inovação estão abaixo da média. Entre 2003 e 2005, somente 3,6% das empresas brasileiras introduziram inovações em produtos "novos para o mercado". A integração internacional das brasileiras na área de pesquisa e inovação também é fraca. Apenas 3% se envolveram com atividades colaborativas em inovação de 2003 a 2005.
Leonardo Carvalho, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), considera que, para aumentar a competitividade da indústria nacional, o ideal seria baixar o "custo Brasil". Mas adverte que isso não depende apenas da valorização cambial: "Custo reduzido envolve também infra-estrutura e capital humano", frisa.
Rogério Lessa
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